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23 de jan. de 2012

O Diácono Presbiteriano Alderi Souza de Matos

Em 1541, o reformador João Calvino redigiu um documento intitulado Ordenanças Eclesiásticas, um livro de ordem para a Igreja Reformada de Genebra. Nesse texto, ele defendeu a necessidade de quatro ofícios ministeriais na igreja: (a) pastores: para proclamar a Palavra de Deus; (b) doutores ou mestres: para ensinar as Escrituras; (c) presbíteros: para manter a disciplina cristã; (d) diáconos: para cuidar dos pobres. Mais tarde, houve algumas modificações dessa estrutura na tradição reformada. Os pastores passaram a acumular as funções dos mestres, que deixaram de existir como um ofício separado. Por sua vez, os presbíteros deixaram de exercer funções exclusivamente disciplinares, para dedicar-se ao governo da igreja no sentido amplo. Todavia, no caso dos diáconos não houve nenhuma modificação substancial.
1. O ensino bíblico
O diaconato é parte do tema mais amplo da ação social cristã ou da responsabilidade social da igreja, que pode ser definida como toda atividade de cristãos individuais ou da igreja como um todo no sentido de suprir necessidades materiais das pessoas, aliviar o sofrimento humano, bem como atenuar ou eliminar males sociais que afligem indivíduos, famílias, comunidades e até mesmo a sociedade em geral. A temática social está presente em todas as partes do Antigo Testamento. A base da ética social bíblica é o caráter de Deus no relacionamento com seu povo. Israel é exortado continuamente a praticar a justiça, a misericórdia e o amor (Jr 22.3; Os 6.6; Mq 6.8; Lv 19.18). Deus demonstra um interesse especial pelos elementos mais frágeis da sociedade, como o órfão, a viúva, o pobre, o enfermo, o deficiente e o estrangeiro (Lv 19.10, 13-15). A ética do Antigo Testamento está centrada na generosidade e na solidariedade. Sua mensagem social mais enfática está contida nos profetas do século 8º a.C. – Isaías, Oséias, Amós e Miquéias.
Jesus e os apóstolos mantiveram implicitamente a mensagem social do Antigo Testamento. A ética de Jesus preserva e intensifica os requisitos da lei, revelando sua intenção mais profunda (Mt5.17,20). Ele não só proferiu muitos ensinos sobre a prática da justiça, misericórdia e amor (Mt 5.6-7; 19.21; 23.23; 25.34-40), mas praticou ativamente essas virtudes (Mt 4.23; 9.2,6,36; 12.9-13; 14.14,19; 15.30). O livro de Atos mostra que a vida da igreja primitiva era marcada pelo companheirismo e solidariedade (2.42-47; 4.32-35; 11.29). O apóstolo Paulo demonstrou grande interesse pela beneficência cristã, um tema que ele aborda em quase todas as suas cartas.
Devido às circunstâncias difíceis em que viviam os primeiros cristãos, o Novo Testamento dá maior ênfase ao serviço cristão voltado para os irmãos na fé, mas fica implícito que a prática da beneficência também devia se aplicar aos de fora. A história da igreja revela que foi exatamente isto o que os cristãos fizeram desde o início.
O Novo Testamento também mostra que desde cedo a igreja sentiu a necessidade de estruturar suas atividades caritativas por meio da eleição de homens especialmente voltados para esse mister. Surgiu
assim um novo ofício que não tinha precedente no Antigo Testamento (At 6.1-6). A instituição do diaconato foi um eloqüente testemunho sobre a preocupação da igreja com o socorro aos necessitados.
A igreja antiga continuou a praticar insistentemente a caridade e a beneficência. Inácio de Antioquia, escrevendo no início do 2º século, criticou certos hereges dizendo que eles “não se preocupam com o amor, nem com a viúva, nem com o órfão, nem com o sofredor, nem com o aflito, nem com o prisioneiro, ou com aquele que foi liberto da prisão, nem com o faminto ou sedento” (Aos esmirnenses 6.2). As igrejas mais prósperas, como a de Roma, tornaram-se conhecidas por sua generosidade. No 2º século, Dionísio de Corinto enalteceu a congregação romana por enviar “contribuições às muitas igrejas em cada cidade, aliviando a pobreza dos necessitados e ministrando aos cristãos nas minas” (Eusébio, História eclesiástica 4.23.10).
2. O diaconato reformado
A importância atribuída por Calvino à responsabilidade social da igreja – como igreja – pode ser vista em sua ênfase no ofício diaconal. Calvino tinha o ofício do diácono em alta consideração: os diáconos eram os oficiais públicos da igreja responsáveis pela assistência aos pobres. O reformador
insistiu que eles fossem versados na fé cristã, pois muitas vezes, no exercício do seu ministério, teriam de oferecer conselhos e orientação espiritual.
A primeira edição das Institutas (1536) já fala nos diáconos. Calvino viu no episódio de Atos 6.1-6 a instituição desse ofício. Ele conclui: “Aqui, portanto, está o tipo de diáconos que tinha a igreja apostólica e que nós, seguindo o seu exemplo, devemos ter”. Nas Ordenanças Eclesiásticas ele fala em dois tipos de diáconos: os que administram os recursos destinados aos pobres (procuradores) e os que cuidam dos doentes e necessitados.
Sua principal base bíblica para esse duplo diaconato são duas expressões de Romanos 12.8 – o que contribui com liberalidade e o que exerce misericórdia com alegria. Dizem as Ordenanças Eclesiásticas: “Sempre houve dois tipos de diáconos na igreja primitiva. Alguns foram encarregados de receber, distribuir e preservar o patrimônio dos pobres... Outros deviam cuidar dos enfermos, tratar de suas feridas e distribuir as rações alimentares dos pobres”. Calvino e os demais reformadores criam que o cristão é um mordomo das dádivas de Deus e que a boa mordomia leva o
crente a ter um espírito aberto e generoso para com os menos afortunados. Assim, o diaconato é o ministério de compaixão da igreja, especialmente em favor dos pobres e enfermos. Ele expressa a responsabilidade da igreja no campo da justiça social e do serviço cristão, e tem uma função espiritual relacionada com a essência do evangelho. O grande desafio para a igreja atual é preservar
a antiga ênfase calvinista no diaconato como um ofício voltado para o exercício da beneficência cristã motivada pelo amor. Alguns textos para nossa reflexão são os seguintes: Is 58:5-10; Mt 20:28; Lc 22:26-27; At 10:38; Rm 16:1; Gl 5:13; 6:10; Hb 6:10; 1 Pe 4:10-11.
Conclusão
A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil afirma em seu Artigo 53: “O diácono é o oficial eleito pela igreja e ordenado pelo Conselho para, sob a supervisão deste, dedicar- se especialmente: a) à arrecadação de ofertas para fins piedosos; b) ao cuidado dos pobres, doentes e inválidos; c) à manutenção da ordem e reverência nos lugares reservados ao serviço divino; d) exercer a fiscalização para que haja boa ordem na Casa de Deus e suas dependências”. Que Deus abençoe os diáconos presbiterianos para que compreendam o imenso valor do seu nobre ofício e o exerçam com zelo, eficiência e amor.

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